segunda-feira, 11 de julho de 2011

Flanelinhas ainda exercem a profissão ilegalmente

A situação se repete nas ruas da cidade. O motorista estaciona o veículo em uma vaga e logo aparece alguém pedindo para vigiar o carro em troca de dinheiro. Constrangidos com a abordagem cada vez mais ousada, muitos condutores cedem ao pedido com medo de terem o carro arranhado ou de sofrerem algum tipo de agressão. Atualmente, existem 1.421 guardadores e lavadores cadastrados na Secretaria de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (Sedest), que possuem autorização para exercer a atividade. Todos devem usar coletes verdes e crachás de identificação. A reportagem do Correio percorreu as ruas do Setor Comercial Sul e o estacionamento de um shopping no centro da cidade e verificou que muitos não trabalham uniformizados ou exercem a profissão ilegalmente.

De acordo com os dados da 5ª Delegacia de Polícia (Asa Norte), de janeiro a 22 de junho deste ano, 194 pessoas foram autuadas por não possuírem a autorização do governo local — média superior a uma por dia. Elas foram pegas nas ruas trabalhando como guardadoras e lavadoras de carros, mas não apresentaram qualquer documento que comprovasse a participação no curso oferecido pela Sedest. De acordo com o delegado-chefe, Laércio Rossetto, a cada 10 pessoas levadas para a delegacia, oito têm passagem pela polícia. A maioria por furto, tráfico e uso de drogas. Alguns, no entanto, eram acusados de homicídio. Em 2010, 61 foram autuados na mesma condição.

Em 21 de junho, Antônio Erasmo de Oliveira, 44 anos, foi identificado e preso como autor do crime de roubo seguido de violência sexual contra uma mulher de 45 anos. Após o crime, policiais civis da 1ª DP (Asa Sul) localizaram o acusado trabalhando como flanelinha no estacionamento do Hospital de Base. Antônio tem diversas condenações, no Distrito Federal e no Rio de Janeiro, por roubo qualificado, atentado ao pudor, estupro, sequestro e cárcere privado. “O centro da cidade não pode ser terra sem lei, eles estão intimidando, ocupando os espaços públicos e cobrando como se fossem donos dos terrenos. Qualquer um tem o direito de ir e vir, mas não de incomodar e ameaçar”, diz Rossetto.

Surpresa
A gerente de contas Daiann Virginio, 31 anos, moradora do Jardim Botânico, já foi ameaçada por um guardador de carros no estacionamento de um shopping da capital federal. “Estava indo com muita frequência lá por causa do trabalho e ele queria me cobrar pela semana. Eu disse que não ia pagar e ele falou para eu não deixar mais o carro lá, pois teria uma surpresa”, conta. Até hoje, Daiann fica desconfiada quando precisa voltar ao local. Apesar da ameaça, ela costuma deixar o carro sob a responsabilidade de um flanelinha no Setor Comercial Sul. “Nele eu confio e todo mundo do trabalho deixa as chaves. É isso ou não tem onde estacionar. Em quatro anos, nada aconteceu”, explica.

Perto dali, a empresária Helena Carvalho, 42 anos, moradora de Taguatinga, perdeu quase uma hora para conseguir uma vaga. Ela vai ao Setor Comercial Sul com frequência, mas não confia nos guardadores. “Medo, todo mundo tem, a gente nunca sabe o que eles podem fazer. Prefiro esperar para estacionar, fico esperando até alguém sair”, diz. “Sempre fico intimidada com a forma com que eles nos abordam. Faço um sinal positivo e dou uma moeda por medo. Já arranharam o meu carro porque não dei dinheiro”, conta a empresária.

E é essa fama que incomoda o guardador e lavador Nilson Moreira, 49 anos, morador de Valparaíso. Ele fez o curso da Sedest há um ano, mas trabalha nas ruas de Brasília desde 1973. “Esses falsos flanelinhas atrapalham muito a gente que trabalha direito”, lamenta. O presidente do Sindicato dos Guardadores e Lavadores de Carro do Distrito Federal, Valdivino Diogo da Silva, luta para acabar com o trabalho ilegal. “Quem não está com colete deve sair fora, tem que haver uma punição mais firme”, diz. “A gente sai pela rua, recolhe colete roubado, sabe quem é trabalhador e quem é traficante. Mas, para a polícia, somos todos marginais.”

Fiscalização
De acordo com o subsecretário de Operações da Secretaria de Ordem Pública e Social (Seops), Alexandre Sérgio Ferreira, o órgão realiza diversas ações em todo o Distrito Federal e retira das ruas aqueles que trabalham como guardadores de carros, mas não têm registro profissional. “Levamos essas pessoas para a delegacia, esse é o nosso papel. Mas o governo deve abrir uma frente de trabalho para tirá-las da informalidade”, ponderou. O subsecretário admitiu não conseguir evitar que eles voltem às ruas, mas garantiu a continualidade das ações para fiscalizar a atuação dos flanelinhas.

O que diz a lei...

A Lei Federal nº 6.242, de 23 de setembro de 1975, dispõe sobre o exercício de guardador e lavador autônomo de veículos. O artigo 1º determina que o exercício da profissão depende de registro na Delegacia Regional do Trabalho. De acordo com a determinação, a concessão só é concluída se o interessado apresentar Carteira de Identidade, Atestado de Bons Antecedentes, certidão negativa, comprovantes de votação eleitoral e documento que comprove a quitação com
o serviço militar. O Decreto nº 79.797, de 6 de agosto de 1977, regulamenta o exercício da profissão. O guardador atuará em áreas externas públicas, destinadas a estacionamentos, e compete a ele orientar ou estacionar e retirar os veículos
das vagas, mas, para isso, ele deve ser habilitado e autorizado pelo proprietário.
O carro e os objetos que estiverem em seu interior ficarão sob vigilância do guardador, de acordo com o parágrafo 3º. Todos deverão apresentar cartão de identificação fornecido por sindicato, cooperativa ou associação.

Marcello da Silva Batista

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